domingo, 30 de agosto de 2009

La Goutte d'Or - símbolo do efémero

A leitura deste romance de Tournier é de carácter mais metafísico, filosófico e antropológico, características que nem sempre são do agrado dos leitores que buscam nos livros matéria para fruição ou simplesmente para descoberta de valores e sentimentos de personagens. Não é um livro de compreensão e interpretação fáceis, pois obriga-nos a constantes apelos à nossa enciclopédia dos tempos académicos, em que as discussões sobre temas transcendentes e pouco claros eram acaloradas e sem quaisquer conclusões. Mas aquilo que lemos também deve, muitas vezes, surpreender-nos e dar-nos outras visões, outras formas de ver o mundo, seguindo o olhar do narrador e articulando com conceitos que nem sempre são abstractos, à primeira vista.

O título do romance, La Goutte d’Or, joga com a polissemia: designa uma rua do bairro árabe em Paris (e assim terá um carácter mais antropológico) onde sobressaem os ritos de uma tribo do Sahra, imigrantes em França; por outro lado, representa a mulher de uma forma singular - loura ou morena, mãe ou prostituta, mas sempre com a dicotomia da maldição ou da sorte; neste romance a “gota de ouro” é uma jóia que encarna a tradição dos saharianos. É uma jóia do oásis que pertencia à bailarina Zett Zobeida, constituindo um valor de antídoto em relação à fotografia perdida de Idriss, que foi tirada, à socapa, por uma turista loura.
Resumindo: “Donne-moi la photo.”, frase pronunciada por Idriss quando guardava as suas cabras e ovelhas nas imediações do oásis de Tabelbala. Nesse momento um Land Rover surgiu e uma mulher loura tirou uma fotografia ao jovem pastor sahariano. Ela promete enviar-lha logo que chegue a Paris. Idriss esperou em vão. A sua imagem (que na sua crença lhe foi roubada) nunca lhe foi restituída. Mais tarde, quando ele parte para a Europa e vai até Paris em busca de trabalho, sentir-se-á obcecado (como alguém que imagina uma outra vida dupla de si próprio) pelas imagens que vai criando e que não consegue reconhecer-se como figura central das situações que acontecem. Perdido num “palácio de miragens”, acaba por cair no ridículo até se encontrar com a necessidade de escrever (a sua libertação).
Apenas o signo abstracto (o da escrita) o libertará da tirania da imagem, ópio da civilização ocidental.
Um romance sobre a nocividade da imagem e da fotografia. Escrito por volta de 1986 a propósito dos costumes e crenças dos magrebinos, mas actualíssimo quanto à mensagem que encerra na sua polissemia e constante sentido metafórico. Retrata os valores da sociedade contemporânea em que o “culto do eu” impera, mas a nada conduz. Aconselho, mas com alguma prudência, devido às partes mais descritivas e filosóficas das situações que são apresentadas, obrigando o leitor a uma releitura constante para conseguir entrar no âmago daquilo que o narrador pretende transmitir-nos.

A propósito desta obra, descobri que goutte d'or poderá ser, também, uma espécie de figo (desta época), uma planta que dá flores que pendem em cacho e a tão cobiçada jóia da trama do romance de Tournier (como eu gostaria de uma assim, ih, ih, ih!...)



Terminamos as férias com "gotinhas de ouro". Mas este é um ouro que não irá "ofuscar-nos". A nossa comunidade de leitores é de ouro! Temos partilhado e iremos continuar a partilhar. Nós estamos constantemente a descobrir pequeninas pepitas de ouro (a cultura). Não concordam comigo?
Bom regresso e... até breve.
Isilda Lourenço Afonso

6 comentários:

Carla Martins disse...

Boa semana (de sol, uhuuu) pra vc!

beijos brasileiros!

CICL disse...

Que bom ter a Isilda de volta!

Estamos finalmente de regresso após umas bem merecidas férias...

Maggie disse...

Olá!

Há mais uns miminhos para ti no meu blog de leituras.

Bjs

Chuva de livros disse...

Ola

Tenho um selinho no meu blogue para ti.
Beijinho

manuel afonso disse...

Porventura muito perto do tema do livro.
Estou a dar continuidade ao desafio que me lanaçaram. Há um convite no cogitar.

Lídia Valadares disse...

"Quelle bonne rentrée!"
É evidente que concordo contigo,Isilda! E tu és uma óptima exploradora dessas pepitas de ouro e um elemento que muito tem enriquecido esta comunidade de leitores!
Bom, após um período de ausência, regressei... e não posso calar o prazer que senti ao voltar à nossa "Floresta", ao mergulhar, de novo, neste jogo de sedução,que é o de tentar seduzir os outros pelas "pepitas" que descobrimos e deixar-nos seduzir pelos tesouros que eles encontraram!
Quanto ao teu comentário, está excelente! Com rigor, precisão e pormenor, identificas claramente o tipo de livro que é, alertas para a necessidade permanente da dissecação do seu conteúdo para a compreensão da mensagem e aconselhas a sua leitura, "mas com alguma prudência", o que leva o leitor a ponderar cuidadosamente o momento em que está predisposto a dialogar com este tipo de textos. Não conhecia o livro e fiquei curiosa, mas vou seguir o teu conselho e aguardar, com prudência, o momento ideal para o ler.
Um abraço.

Lídia Valadares